Entro na Igreja quase silenciosa. Apenas se ouvem umas vozes animadas de uns poucos jovens à porta entretidos com as suas aventuras contadas em jeito de quem é o melhor lá do bairro. Sentei-me no último banco como faço habitualmente a remoer alguma coisa que serve de conversa com Deus. Distraído entre a terra e o céu quase nem dava conta dela. Sentou-se ao meu lado. Com os seus dezassete anos de sorriso encantador num rosto simpático percebi-lhe a vontade de falar comigo. Somos vizinhos em vivenda geminada e cúmplices de muitos diálogos interessantes. Depois das saudações habituais disse-me que naquele fim-de-semana iria com um grupo de amigos da sua Paróquia a participar num «Retiro». Manifestei o meu agrado pela iniciativa e pela sua decisão. Notei-lhe alguma agitação movida pela curiosidade pois era a primeira vez que alinhava numa coisa assim. Perguntei-lhe «Como te sentes?» Respondeu-me «Estou ansiosa por saber como é aquilo. Nunca fui a nenhum.»
Desviando-me aparentemente do assunto chamei a sua atenção para o tecto da Igreja e pedi-lhe que me dissesse o que pensava daquela inútil utilização das lâmpadas acesas em pleno dia. Concordou comigo considerando também desnecessário acender as luzes àquela hora. Sugeri-lhe que fossemos falar com o pároco a solicitar que arrancasse as lâmpadas do tecto da Igreja, pois era claro que não faziam falta ali. Olhou-me pelo cantinho do olho e fitou-me perplexa perante tal sugestão da minha parte. Uma pausa de silêncio. Deixei-me estar mudo e quedo como quem não se apercebeu do disparate e esperei a reacção. Não tardou. «Mas… posso dizer uma coisa?» Respondi «Sim. Claro!». «Eu acho que as lâmpadas são necessárias para quando estiver escuro, à noite por exemplo quando há aqui celebrações e encontros! Por isso, agora basta apagá-las. Não é preciso arrancá-las do tecto. O padre até iria pensar que somos doidos!». De facto, somos mesmo doidos, àquela hora, num banco da Igreja a especular sobre lâmpadas, quando podíamos estar noutro lugar acomodados e a falar de outras coisas porventura mais interessantes. Somos doidos, eu e a Inês ali a perder tempo com as luzes da Igreja. Rimo-nos como miúdos e saímos.
Já fora da Igreja olhei para ela discretamente coloquei a minha mão direita no seu ombro direito e enquanto caminhávamos disse-lhe «Inês, há muitas coisas na nossa vida que pensamos não serem necessárias e às vezes temos mesmo a tentação de as arrancar. Especialmente as que parecem inúteis e nos incomodam, como aquelas lâmpadas acesas na Igreja a meio do dia. No entanto, é bom mantê-las, pois dias virão que nos darão jeito para vermos claro o nosso percurso de onde vimos para onde queremos ir o que somos e o que fazemos. São os acontecimentos que nem sempre entendemos no tempo e no modo em que se sucedem. Achamos estranho e chegamos mesmo a querer apagá-las da nossa história pessoal. Mais tarde, são as nossas memórias, como lâmpadas acesas, que iluminam a nossa compreensão dessa história e nos tornam capazes de perceber finalmente o projecto e o destino dos nossos passos. Depois é aprender de novo a viver e a acreditar que o sonho comanda a vida. A experiência de um “Retiro” também pode pertencer ao sonho!».
quarta-feira, 2 de maio de 2007
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário