segunda-feira, 14 de abril de 2008

Sepulcro esquecido... De Jesus?

Foto de 1980 da tumba achada em Talpiot

um documentário sendo exibido ao redor do mundo no canal Discovery Channel. Como se trata de um tema atual e pertinente, e que além disso tem a ver com a proposta deste blog, aqui vai uma postagem sobre o assunto, que eu espero seja elucidativa.

Falar sobre este assunto, para qualquer estudante de Teologia ou História, não é difícil como talvez possa parecer, mas antes de entrar na questão em si eu gostaria de esclarecer um ponto importante: alguns veículos da mídia chegaram a alardear que se a descoberta de um tal sepulcro fosse confirmada, isto representaria uma grande ameaça para o Cristianismo, que a estrutura da Igreja seria seriamente abalada e coisas do gênero. Mas o fato é que, para qualquer cristão consciente, não faria praticamente nenhuma diferença esta tumba ser autêntica, isto é, conter os ossos de Jesus Cristo, ou não. - Ao contrário do que alguns imaginam, a ressurreição não tem que ser necessariamente um corpo físico se levantando de um túmulo.

As escrituras narram o evento do encontro do túmulo vazio, no terceiro dia após a morte do Cristo com pormenores, e nós realmente temos ótimas razões para acreditar que de fato ocorreu conforme está ali descrito. O principal deles é a conversão imediata de um grande grupo de pessoas, repentinamente, a partir daquele momento exato. - Não só os Evangelhos como outras fontes históricas mencionam o desânimo que de imediato se abateu sobre os seguidores de Jesus após a morte por crucificação. Como seria de se esperar, os discípulos e adeptos do movimento de Jesus se abateram com a morte do seu líder. Antes de Jesus, diversos outros pretendentes a messias tiveram destino semelhante, sendo que os seus seguidores rapidamente se dispersaram após a morte de seus líderes. Para aqueles que seguiam o Rabi da Galliléia, num primeiro momento não foi difetente. E não havia porque ser diferente: o sonho havia acabado. Mas isso durou menos de uma semana! Diversos autores da época relatam como repentinamente essas pessoas voltaram a se inspirar poucos dias depois da execução do seu mestre, e a partir daí saíram a pregar a sua mensagem com energia nunca antes vista. Historiadores reconhecem que algo muito incomum aconteceu para provocar tamanha mudança de ânimos e inspirar a repentina coragem que os fazia enfrentar o poder do Estado romano e caminhar até a morte sem nenhum medo, muitas vezes sorrindo, em nome da sua fé.

Mas este é um outro assunto, por si só bastante extenso. O que eu gostaria de registrar antes de entrar no tema desta postagem é que, apesar de todas as tradições cristãs ensinarem que Jesus ressuscitou em plenitude, isto é, em corpo, alma e espírito, as escrituras relatam que o Mestre, ao aparecer depois da morte, se manifestava no meio dos discípulos estupefatos, "surgindo" dentro dos aposentos "estando as portas fechadas". Depois, "desaparecia". Além disso, nas primeiras vezes em que ele apareceu, não foi reconhecido pelas mesmas pessoas que tinham convivido diariamente com ele, por anos seguidos. - Isso demonstra claramente que Jesus Cristo estava diferente do que era antes. - O "Rabi" já não se encontrava mais restrito às limitações do corpo físico.

Isso não implica dizer que as suas visitas pós-morte foram apenas em espírito, como qualquer aparição comum de espíritos das quais temos notícia, porque os autores dos mesmíssimos relatos fazem questão de ressaltar que Jesus ressuscitado tinha sim um corpo físico, no qual trazia as marcas da crucificação, um corpo que tocava e podia ser tocado e apalpado (como fez Tomé), e além disso ele se assentava à mesa e comia e bebia com os discípulos... Bem, nós poderíamos mergulhar aqui numa infinidade de teorias e pseudo-explicações baseadas em todo tipo de suposição (o que chamamos popularmente de 'chutômetro'), sem absolutamente nenhum embasamento, já que nenhum de nós esteve presente a nenhum desses eventos misteriosos. Portanto, especular nesse momento não nos levaria a nada, pois nós nunca poderemos provar nenhuma hipótese.

Eu só entrei neste terreno nebuloso para reafirmar aquilo que na minha opinião realmente importa dizer aqui: que achar os restos mortais de Jesus mudaria praticamente nada no cristianismo. Para os que não sabem, a doutrina da Igreja já afirma, desde os seus primórdios, que:

"Como acontecerão os processos que sofreremos após a nossa morte física é coisa que ultrapassa a nossa imaginação e o nosso entendimento intelectual; só na fé é que este mistério se torna acessível". - Vaticano: Audiência João Paulo II

Portanto, se a Igreja não nos dá nenhum detalhe sobre o assunto e ainda ensina que a única forma de se alcançar compreensão a esse respeito é através da fé, que diferença faria descobrir que o corpo físico de Jesus não ascendeu, juntamente com o seu espírito, à outra dimensão, mas ficou aqui mesmo e se decompôs como outro defunto qualquer? Justificaria, no máximo, algumas revisões sobre a idéia do chamado "corpo glorioso" ou "corpo espiritual", que pressupõe a transubstanciação da matéria. Mas, dentro da apologética cristã, isto representaria apenas um detalhe praticamente irrelevante.

Isso posto, entremos ao teor da postagem, que é a hipótese levantada pelo documentário cujo título é "O Sepulcro Esquecido de Jesus", produzido e dirigido por dois cineastas. - Um deles é o conhecido diretor de Hollywood James Cameron (de 'O Exterminador do Futuro" e "Titanic"), e o outro é Simcha Jacobovici, que em 2002 dirigiu um documentário intitulado "O Ossuário de Thiago, Irmão de Jesus" (que depois veio a ser comprovado como fraude - vide artigo aqui.
James Cameron, diretor e produtor de Hollywood

O filme é um desfile de alegações, meias afirmações e meias verdades sussurradas a respeito de um sepulcro descoberto em Talpiot, Israel, em 1980, contendo 10 caixas ossuárias e um espaço vazio, onde caberia uma 11ª caixa.

Bem, eles afirmam (ou quase) que esse sepulcro é o túmulo da família de Jesus chamado Cristo, baseados em que 6 dessas 10 caixas contém inscrições que as identificam com os seguintes nomes: "Jesus filho de José", "José", "Maria", "Judá", "Mariamene Mara" e "Matheus".

A partir daí, o documentário, baseado em uma série de especulações e elucubrações sem absolutamente nenhum lastro científico, se precipita numa série de especulações extremamente forçadas, tais como:

1º - Logo no começo, afirma-se que os discípulos, de algum modo furaram o bloqueio dos guardas romanos, furtaram e esconderam o corpo de Jesus para dar a impressão de que ele havia ressuscitado. Depois de um ano, foram ao esconderijo secreto, retiraram os restos mortais e os colocaram numa caixa mortuária, que sepultaram junto com os demais membros da sua família;

2º - É apresentado um estudo estatístico (contestado por outros matemáticos) que afirma que há uma probabilidade de 600 para 1 a favor de que esta seja uma tumba da família de Jesus, baseados no fato de terem sido encontrados num mesmo local 6 nomes bíblicos ;

3º - Em função dessa suposta alta probabilidade, os autores afirmam que “quase com certeza” o túmulo é o de Jesus Cristo;

4º - Afirma-se que o nome "Mariamene Mara" se refere a Maria Madalena;

5º - Na caixa ossuária onde está gravado o nome “Judá”, há também o título: “Filho de Jesus”. Com base nesse fato, os supostos pesquisadores resolveram submeter fragmentos orgânicos nos ossos do “Jesus” da tumba, juntamente com os de “Judá” e os da “Mariamene” a um teste de DNA. O resultado foi que havia relações de parentesco entre eles;

6º - A partir deste resultado, o documentário sugere que Jesus foi casado com Maria Madalena e que os dois tiveram um filho ao qual deram o nome de Judá;

7º - Afirma-se que o "ossuário de Thiago", encontrado há alguns anos, é a caixa que está faltando nesta tumba, o que aumentaria a probabilidade de ser uma tumba da família de Jesus, pois seria mais um nome ligado à família no mesmo local;

8º - Próximo do final, chegam a sugerir que, no texto evangélico, quando Jesus diz à Maria: “Mãe, eis aí o teu filho”, ele está na verdade falando com Madalena, pedindo a ela que cuidasse bem do filho deles dois, o Judá...

A essa altura alguns colegas meus talvez estejam sofrendo com espasmos de tanto rir, mas o fato é que esse tipo de notícia, amplamente divulgada por um canal popular como o Discovery, e depois publicado em diversos sites e revistas, acaba influenciando o pensamento de muita gente. Por isso, eu relacionei logo abaixo algumas refutações bem básicas, que poderão ser mais aprofundadas caso o leitor se disponha a fazer uma breve pesquisa (Eu sugeriria um clique nesta página do “Scribid”). Vamos lá:

1º - Não estamos falando de nenhuma “descoberta” aqui. A tumba foi encontrada em 1980, e na ocasião, todos os arqueólogos, antropólogos e especialistas competentes concordaram que não havia nada de extraordinário nela, tanto que foi aterrada logo em seguida, para que se construísse um condomínio no local;

2º - Ninguém da comunidade científica levou as afirmações dos autores do documentário a sério, e as classificaram como sensacionalistas. Entre entre eles eu citaria os conceituados Amos Cloner (que disse que "é impossível que José e Maria de Nazaré fossem sepultados numa tumba familiar em Jerusalém") e Dov Ben Meir, que declarou com todas as letras que toda a história apresentada"Não passa de tolice";

3º - O documentário foi feito por cineastas hollywoodianos (e não por homens de ciência), claramente com o objetivo de "pegar carona" no sucesso do livro “O Código Da Vinci”. O objetivo mais do que óbvio de ambas as obras é o lucro comercial. Dan Brown pelo menos teve o pudor de reconhecer que o seu livro é uma obra de ficção...

4º - Os nomes "Jesus", "Maria", "José" e "Matheus" eram extremamente comuns na época do Novo Testamento. Para se ter uma idéia, um quarto de todas as mulheres da região onde Cristo viveu, em sua época, se chamavam Maria, e 4% dos homens tinham o nome Jesus! Isto é, num lugar onde houvessem 200 pessoas reunidas, possivelmente haveriam 50 Marias ou 8 Jesus entre eles! Interessante saber que, antes do achado em questão, já se haviam encontrado 98 outros túmulos com o nome Jesus, inclusive alguns "Jesus filho de José";

5º - O título "Jesus filho de José" certamente não seria empregado para designar o Jesus que os discípulos consideravam o Messias, o Filho do Deus Vivo. Esta menção jamais é feita em nenhum texto bíblico e em nenhum texto apócrifo! Jesus Cristo jamais foi chamado assim. Se os discípulos tivessem escondido o seu corpo naquele local, como supõe o documentário, jamais escreveriam isso ali!

6º - A estatística apresentada no filme ou é extremamente equivocada ou foi feita de má fé, porque está baseada nas alegações do próprio documentário, que não têm nenhuma base científica ou mesmo lógica;

7º - O documentário diz que a "Maria" da Tumba seria a mãe do "Jesus" da tumba, mas não há nenhuma evidência nesse sentido: junto ao nome dessa Maria não há nenhuma inscrição que a aponte como mãe desse Jesus. Eles poderiam ser irmãos, marido e mulher, primos, ele poderia ser o pai dela, ou mesmo poderia não haver nenhuma relação de parentesco entre os dois;

8º - "Mariamene" não é o mesmo que Madalena! "Madalena" é a corruptela da versão latinizada "Maria Magdalena", que significa "Maria de Magdala". Este nome na verdade é um título, algo como um "apelido": significa que ela vinha de uma vila chamada Magdala, assim como "Jesus Nazareno" significa que Jesus vinha de Nazaré e "Galileu" se refere a um indivíduo oriundo da Galiléia. Não há nenhuma menção à vila de Magdala nem no sepulcro e nem na caixa mortuária dessa Mariamene. Esse nome, repito, nada tem a ver com o título "Madalena". - Embora o documentário admita isso, a narração induz a imaginar o contrário. - Na realidade, existem várias interpretações possíveis para o nome Mariamene, e nenhuma delas apontaria relação com o título "Madalena";

9º - Além disso, exame algum mostrou que aquele "Judá" é o filho daquela "Mariamene", mas apenas que havia relações de parentesco entre eles. Isto é, eles poderiam ser irmãos, primos, um poderia ser tio do outro ou mesmo ela poderia ser a filha dele, e portanto nesse caso seria neta do tal Jesus;

10º - Não há nenhuma justificativa para o nome "Matheus" ter sido encontrado na tumba junto com o que eles afirmam ser a “família de Jesus”, já que o Matheus bíblico não era da família;

11º - O tal "ossuário de Thiago”, ao contrário do que afirma o documentário, não se encaixa perfeitamente no espaço vazio da tumba. As dimensões são diferentes, e isso consta até mesmo no livro "oficial" sobre o documentário, dos mesmos autores! De qualquer modo, ainda que fosse verdade, isso nada significaria, porque essas caixas eram produzidas segundo um certo padrão na época, e não seria nada extraordinário que ela se encaixasse no espaço vazio. Porém, mais importante do que isso é que a inscrição feita na tal caixa já foi classificada por especialistas, acima de dúvidas, como fraude;

12º - José, o esposo de Maria, morreu na Galiléia muitos anos antes da crucificação de Jesus, portanto é praticamente impossível que tenha sido enterrado em Jerusalém;

13º - Eusébio, historiador do século IV, deixa claro que Thiago, irmão de Jesus, foi enterrado sozinho perto do monte do Templo, e sabemos até que a sua tumba chegou a ser visitada nos primeiros séculos. Portanto, não seria possível encontrar seus ossos numa tumba familiar.

14º - Mas há um fator realmente conclusivo sobre toda essa questão, que por si só resolve toda e qualquer discussão: ocorre que os ossos encontrados no interior da caixa ossuária desse Jesus não foram dados à apreciação de especialistas para exumação, para se apurar se pertenceram ou não a um crucificado, o que seria a primeira atitude lógica, se eles quisessem realmente tentar comprovar as alegações que estão fazendo. Ora, se os restos mortais pertencessem a Jesus, os ossos teriam que trazer as marcas da crucificação. Isto seria facílimo de comprovar, através de uma examinação muito simples. Então por quê não o fizeram? Este seria o primeiríssimo passo, se houvesse mesmo qualquer razão para crer que estamos falando do Jesus chamado Cristo. Nada mais óbvio! No entanto, isso não aconteceu, e os autores do documentário se furtam a tecer comentários a esse respeito;

15º - E há ainda mais um fator conclusivo a ser considerado, e a respeito do qual os "pesquisadores" do filme não se manifestaram: se o objetivo dos discípulos era sumir com o corpo do crucificado para fazer parecer que havia ressuscitado, porque haveriam eles de escrever o seu nome no ossário, oras?? Importa dizer que escrever o nome por fora das caixas ossuárias não era um costume tão comum na época e nem representava qualquer tipo de obrigação ritualística. O costume era simplesmente colocar os ossos em caixas e guardá-los em tumbas. Algumas dessas caixas eram decoradas, outras lisas, mas na maioria das vezes não se faziam inscrições. Por que, exatamente nesse caso, se o objetivo era ocultar aquele corpo para sempre, haveriam eles de identificar o cadáver com uma inscrição?? Não teria sido muito mais lógico, simples e óbvio escondê-lo sem nenhuma identificação?? Assim, mesmo que um dia o corpo viesse a ser encontrado, a farsa nunca seria descoberta!..


Para entender como surgiu o mito a respeito da relação marital entre Jesus e Maria Madalena, e da suposta filha dos dois (a lenda antiga citada no livro de Dan Brown diz que foi uma filha, o documentário do Discovery diz que era um filho...), procure assistir ao documentário, este sim, realizado com critério científico e metodologia, do History Channel, apresentado por Josh Bernstein e intitulado "Em Busca da Verdade - A Linhagem do Código Da Vinci". Este realmente permite entender como essa lenda surgiu e porque, e como se tratam de histórias comprovadamente falsas. - Como a suposta "linhagem de Jesus" com Maria Madalena é nada mais que pura fantasia, o que já foi comprovado através de exames de DNA feitos a partir dos restos mortais da rainha merovíngia (os supostos 'descendentes europeus' de Jesus pertenceriam à dinastia franca-merovíngia) - os testes foram feitos para se verificar até onde vai o teor da lenda do “Sangue Real”, referente a família de Jesus Cristo. - E foi comprovado que essa estória de que o povo da Judéia ou Galiléia teria contribuído na genealogia européia é mais que infundada. Não há traço genético algum entre os dois povos, menos ainda entre uma pessoa em particular. O mesmo documentário ainda explica como Pierre Plantard, o criador do Priorado de Sião (que surgiu apenas em 1956), admitiu ter inventado a história toda...

Para encerrar, gostaria de dar o meu braço a torcer e dizer que sim, o produtor James Cameron atingiu, ao menos em parte, o intuito dele com este filme. Provavelmente não como ele imaginava, já que a penetração da obra foi insignificante. - Público e crítica praticamente o ignoraram. - Mas ele declarou que o seu objetivo com esse trabalho era "gerar polêmica e trazer o debate". - Não tanto quanto gostaria, mas isso ele conseguiu. Tanto que estou eu aqui perdendo meu precioso tempo pra falar sobre isso. Por outro lado, essas tantas "descobertas" e teorias recentes tão em moda, que alegadamente poderiam "acabar com o cristianismo" de uma hora pra outra, acabam servindo para uma finalidade muito importante: cada uma dessas descobertas acaba por desacreditar a anterior, e no fim, se nos empenhamos em pesquisar sobre tais assuntos aprofundadamente, somos levados a realizar novas descobertas pessoais. E acabamos percebendo o quanto a tradição cristã está bem fundamentada, bem mais do que provavelmente imaginávamos.

Do blog "a Arte das artes".

1 comentário:

Lusófona disse...

Eu fiz uma postagem sobre esse assunto.. Para mim, nada muda, não sou religiosa, talvez por isso, seja mais fácil a minha aceitação... Continuo a crer em Jesus, ressucitado ou não, mesmo porque eu nunca acreditei em ressurreição do corpo, apenas na continuação do ser em espírito.